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O Pico da Bandeira visto a partir do Pico do Calçado. |
No início de março deste ano, um amigo do Clube Excursionista Light divulgou em nossa lista um convite para uma caminhada a ser feita no Parque Nacional da Serra do Caparaó, situado na divisa entre os Estados de Minas Gerais e do Espírito Santo.A caminhada, classificada como pesada, foi denominada "Circuito dos Picos do Cristal, Calçado e Bandeira" e, em razão do feriado de São Jorge no Estado do Rio de Janeiro, agendou-se a partida do Rio para o município de Alto Caparaó/MG no dia 23 de abril (sexta-feira), onde faríamos um pernoite antes da caminhada.
Em razão da distância e por ser um feriado no Rio, acabou que apenas meu amigo que fez o convite e eu mantivemos interesse pela caminhada.
Chegamos a pensar em fazer pernoite em um dos dois campings existentes dentro da parte mineira do Parque Nacional (Tronqueira ou Terreirão), mas a hipótese foi logo descartada em razão do horário previsto para a chegada em Alto Caparaó e também para evitar excesso de carga nas mochilas por conta da distância e do esforço da caminhada no dia seguinte, com previsão de 10 horas de duração.
Como agendado, saímos do Rio de Janeiro por volta das 13:00Hs e chegamos a Alto Caparaó por volta das 21:00Hs.
Depois de oito horas na estrada, e como ainda era necessário ajustar o GPS e revisar o material a ser levado para a caminhada, decidimos não perder muito tempo pela cidade. Por isso, comemos uns salgadinhos em uma lanchonete e fomos logo para a Pousada do Rui (http://www.pousadadorui.com.br/), que foi por nós escolhida por dispor de boa estrutura, bom preço para o pernoite e flexibilidade no horário do início do café da manhã. Acordamos cedo para um café reforçado.
Às 08:00Hs estacionamos o carro no nosso ponto de partida - o camping da Tronqueira, a 1.970 m de altitude - de onde se pode apreciar a vista da cidade de Alto Caparaó (foto abaixo).
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Alto Caparaó visto a partir do camping da Tronqueira. |
De lá, partimos em direção ao camping do Terreirão, a 2.370 metros de altitude. Até este ponto a caminhada de aproximadamente 3,3Km é bem fácil e a trilha bem demarcada. Para os que vão acampar no Terreirão e não desejam o desconforto de tranportar nas costas o peso de todo o equipamento necessário, pode-se optar pela contratação do serviço de mulas, que fazem a ligação entre este camping e o da Tronqueira.
A partir do Terreirão, iniciamos o circuito propriamente dito partindo em direção ao Pico do Cristal, em seguida para o Pico do Calçado e, por fim, para o Pico da Bandeira, para, de lá, retornar ao ponto de partida, ou seja, a Tronqueira (imagem do circuito abaixo).
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O circuito foi realizado em sentido anti-horário, ao contrário do que habitualmente se faz, que é caminhar a partir do Pico da Bandeira até o Pico do Calçado, retornando pelo mesmo caminho. |
Ou seja, seguimos um caminho diferente do tradicional, e por isso tomamos a liberdade de dar o nome de "circuito" para esta caminhada. Geralmente os caminhantes que fazem estes três picos no mesmo dia, ao partirem do Terreirão, seguem para o Pico da Bandeira, depois para o do Calçado e, por último, seguem para o do Cristal, retornando pelo mesmo trajeto que os levou a este último pico.
No nosso caso, passamos por cada um destes picos uma única vez.
Ao sairmos do Terreirão, seguimos uma trilha localizada em frente à Casa de Pedra, descendo pela encosta, quase em direção à nascente do Rio Caparaó, como forma de acessar a face noroeste do Pico do Cristal.
Neste trecho da caminhada, acreditávamos que a nossa maior dificuldade seria o desnível acumulado, pois tivemos que descer bastante até o vale do Rio Caparaó para retormar a subida até o cume do Pico do Cristal (foto abaixo).
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O Pico do Cristal, ao fundo, com a face noroeste ao lado direito. Parece uma subida sem fim... |
Porém, após apenas alguns minutos de caminhada a partir do Terreirão, percebemos que teríamos uma dificuldade não esperada: a vegetação! Ela simplesmente começou a tomar a trilha, já que é pouco usada. Por se tratar de vegetação arbustiva, que muitas vezes ultrapassa pouco mais de dois metros de altura, só nos restaram duas alternativas: ora rastejar nos trechos em que víamos que a trilha prosseguia por baixo da vegetação, ora voltar a abrir caminho com pernas e braços nos momentos em que a trilha simplesmente desaparecia.
Ambas as alternativas geraram dois resultados óbvios: o primeiro, uma série da arranhões nos braços e no pescoço, e o segundo, um grande atraso na caminhada.
O obstáculo da vegetação apenas deixou de existir após já termos avançado bem na subida do Pico do Cristal, quando a vegetação passa de arbustiva para uma vegetação já bem mais rareifeita, com especial destaque para as Açucenas que brotam aos montes na parte alta deste pico (foto abaixo).
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Açucena na subida do Pico do Cristal. |
Com tudo isso, chegamos ao cume do Pico do Cristal, a 2.798 metros de altitude, por volta das 14:00Hs.
Ouso afirmar que, apesar do Pico da Bandeira ser o mais conhecido dos três picos visitados, o Pico do Cristal é de longe o mais bonito.
Após uma breve parada para as fotos e para um lanche um pouco mais reforçado, iniciamos a descida do Pico do Cristal pela sua face leste, iniciando assim a caminhada pela trilha habitualmente utilizada pela grande maioria dos excursionistas.
Confesso que esta descida é consideravemente arriscada em razão do seu acentuado grau de inclinação, o que a torna bem exposta (foto abaixo), exigindo bastante cuidado por parte do excursionista.
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Vista da descida do Pico do Cristal. Após descer, contorna-se o morro da frente pela face direita, para se ter acesso ao Pico do Calçado. |
Ultrapassada esta etapa, a caminhada até o Pico do Calçado é bem tranquila e rápida, e com uma bela vista da parte capixaba do Parque e do Pico da Bandeira.
A etapa seguinte, do Pico do Calçado até o Pico da Bandeira, estava bem sinalizada e rápida, mesmo na parte final, que é relativamente íngrime (foto abaixo).
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Últimos metros de subida para o Pico da Bandeira. |
Com o objetivo atingido, que era de fazer os cumes dos três picos no mesmo dia, pudemos descansar um pouco mais para apreciar a paisagem e repor a energia, pois, neste momento, já havíamos completado aproximadamente 8 horas de caminhada.Quanto à vista, acredito que o mais bonito seja o visual que se tem do Pico do Crital (foto abaixo). Deste ponto foi possível ver o porquê de a subida do Cristal exigiu tanto esforço físico.
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Pico do Crital (ao fundo) visto a partir do Pico da Bandeira. |
Nesse momento, veio à mente o motivo pelo qual todo o esforço de caminhadas como essas valem a pena: o silêncio lá em cima, a 2.892 metros de altitude é incrível! Não se ouve nada que lembre a paranóia civilização!
Mas, como todo montanhista vive em função do tempo e do sol, e já era fim de tarde, resolvemos iniciar nossa caminhada de retorno para chegar ao Terreirão ainda com luz do dia e apenas usar lanternas no último trecho, ou seja, Terreirão - Tronqueira.
O trecho de descida do Pico da Bandeira até o Terreirão, para quem já caminhou tanto, é bem desgastante por ser pecorrido quase todo em leito de pedra, com um grau acentuado de erosão (foto abaixo).
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Trecho da trilha entre o Pico da Bandeira e o camping do Terreirão. Na pedra pode ser vista uma das sinalizações indicativas do caminho, em amarelo. |
Como previsto, chegamos ao Terreirão com os últimos raios de sol e fizemos uma parada para arrumar as lanternas e eu, em razão do frio que já começava a incomodar, resolvi seguir o último trecho vestindo o meu anorak, não só para evitar perda de calor, como também para se proteger do que parecia ser uma fina garoa.
A nossa única falha neste trecho foi o fato de termos levado apenas headlamps, que, apesar de muito práticas, iluminam menos do que as tradicionais lanternas de mão. Mesmo assim, foi uma caminhada bem tranquila e rápida.
Chegamos à Tronqueira por volta das 19:30Hs e trocamos algumas informações com um grupo de excursionista que aguardava o avançar das horas para iniciar a caminhada de súbida para ver o raiar do sol no Pico da Bandeira.
Ao descermos de carro a partir da Tronqueira, fomos parados na saída do Parque e o guarda florestal responsável pela vigilância do Parque que, de forma educada, pediu para revistar o carro antes de saírmos, explicando ser necessário para evitar tráfico de exemplares de flora e de fauna. Fiquei positivamente surpreso, pois a Administração Pública deve efetivamente zelar pela integridade um local de natureza tão rica, para que as futuras gerações possam ter o mesmo privilégio que tive de caminhar na Serra do Caparaó.
Depois de aproximadamente onze horas caminhando, apesar do excelente estado de espírito, estávamos fisicamente esgotados, mas, mesmo assim, decidimos iniciar o nosso retorno para o Rio na mesma noite, parando para pernoite o mais próximo possível do Rio de Janeiro, para ainda aproveitarmos o domingo com as respectivas famílias.
Porém, antes de pegarmos a estrada de volta, tínhamos que parar para nos alimentar com algo que não fosse embalado em "saquinhos", como castanhas, barras de cereais etc. Nada melhor do uma pizza gigante e dois litros de coca-cola.
Ainda no restaurante trocamos algumas informações sobre a caminhada com o dono do estabalecimento, que nos relatou que havia tentado percorrer a mesma trilha que nós, mas que desistiu no meio do caminho em razão da dificuldade para transpor a vegetação.
Tomamos a estrada de volta ao Rio por volta das 21:30hs e, por razões de segurança, paramos para pernoite em Além Paraíba/MG, retomando a viagem no dia seguinte logo cedo, o que possibilitou a nossa chegada no meio da manhã de domingo, dia 25/04/2010.
Caso você tenha interesse de fazer esta caminhada, vão algumas dicas:
(1) Há necessidade de fazer reserva de entrada junto à administração do Parque Nacional. Maiores informações podem ser obtidas no site oficial do parque, já relacionado nesta matéria;
(2) A caminhada é realmente muito pesada, não só pela distância a ser percorrida, mas também pela altitude média acima dos 2.600 metros, ponto a partir do qual há risco de sintomas moderados de "Mal da Montanha", conforme relatos de alguns sites especializados em montanhismo. A respeito da altitude, um fenômeno interessante que ocorre nos pacotes de biscoitos fechados, por causa da expasão dos gases dentro das embalagens pela diminuição da pressão externa, é o fato de chegarem ao cume do Pico do Cristal parecendo balões a ponto de explodir;
(3) É aconselhável levar pelo menos 6 litro de líquido. Utilizei 4,5 litros de água mineral e 1,5 litro de repositor isotônico ao longo das onze horas de caminhada;
(4) Como o gasto energético é muito grande, é aconselhável levar alimentos ricos em carboitrados;
(5) Não deixe de levar boné, protetor solar, agasalho e anorak. Durante o dia, mesmo nos dias menos quentes, o sol é inclemente por causa da altitude. As noites costumam ser frias, mesmo nas partes mais baixas do Parque, como o camping da Tronqueira, por exemplo;
(6) Se for caminhar do Terreirão direto para o Pico do Cristal, aconselho que antes consulte a direção do Parque para se informar sobre as condições da trilha, que pode estar com a vegetação ainda mais fechada, impedindo o prosseguimento pela mesma. Nesse trecho da caminhada um GPS ajuda bastante, principamente para localizar o ponto da acesso da trilha de subida do Pico do Cristal em sua face noroeste, após cruzar o Rio Caparaó; e
(7) Por fim, o período de inverno é o melhor para caminhar, pois o clima é bem menos chuvoso neste período do ano.